A Lei do Superendividamento, Lei Nº14.181/2018, cumpre o propósito de alterar o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078/1990), e o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, com o objetivo de prevenir e tratar o superendividamento, sendo aplicada tão somente às pessoas físicas.
O conceito de superendividamento é definido como a impossibilidade de o consumidor, se houver agido de boa-fé quando do negócio, honrar o pagamento de dívidas exigíveis e vincendas, sem que haja comprometimento do mínimo existencial, uma vez que deve o superendividamento cumprir sua obrigação de pagar e, ainda assim, possuir meios para sua subsistência, ou seja, prover as necessidades básicas diárias, sendo-lhe garantido o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Essa lei veio em um momento de pandemia, momento em que muitas pessoas se viram desempregadas, outras tantas com salário reduzido e, com isso, não sendo possível quitar compromissos assumidos anteriormente, tornando-se, assim, superendividados passivos, ou seja, pessoas que não deram causa ao inadimplemento, nem agiram de má-fé, tendo sofrido situações que se implantaram e os levaram a tal condição.
Ela potencializa o instituto da boa-fé objetiva, já tratada no CDC, devendo ser observada em todas as etapas de um contrato. Atitudes que condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso ao Poder Judiciário também é ponto tratado, não podendo, por exemplo, uma instituição atrelar concessão de crédito à desistência de uma demanda judicial a ser proposta ou já ajuizada.
Além disso, encontramos conteúdos principio lógicos que visam, dentre outros objetivos: evitar e tratar o superendividamento, o abuso que algumas financeiras praticam frente ao consumidor quando do oferecimento de crédito, regular a publicidade direcionada aos hiper vulneráveis, estimular o crédito responsável, incentivar a educação financeira.
As dívidas contempladas pela lei englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada, conforme acrescido ao CDC através do artigo 54-A, parágrafo 2º. Logo, dívidas decorrentes de natureza diversa da relação de consumo não sofrerão a aplicabilidade da lei, como por exemplo: os valores a título de tributo; referentes a aluguéis; de natureza alimentar; condenações trabalhistas.
Diante desta informação, em uma leitura com olhos voltados para o campo imobiliário, cabe mencionar que entre as imobiliárias e o vendedor do imóvel não há relação de consumo, não se aplicando o CDC e, consequentemente, a lei do superendividamento, uma vez que essas empresas exercem um contrato de intermediação, não sendo considerado pelo Código Civil Brasileiro (CCB – Lei 10.406/2022) como prestação de serviços, já que não há fornecimento de produto ou serviço.
Todavia, as inovações trazidas ao CDC pelos artigos 54-A ao 54-D, aplicam-se ao crédito imobiliário. A redação do artigo 54-B, por exemplo, determina que ao ser fornecido crédito na venda a prazo, o consumidor deverá ser informado de forma prévia e adequada, no momento da oferta, sobre o custo efetivo total e a discriminação da sua composição; taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa de juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso do pagamento; o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve
ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito.
O mencionado comando legal impacta quando se opta por fazer um crédito imobiliário, já que a diretriz irá possibilitar que o consumidor possa comparar, por exemplo, os valores dos juros anuais com o custo efetivo total de uma outra instituição financeira; e a consequência dessa transparência e boa-fé por parte dos bancos ao obedecerem a lei vão ao encontro de seu objetivo, que é evitar ou tratar o superendividamento.
Pelo novo artigo 54-D, do CDC, trazendo ainda mais a lei para o setor de imóveis, deverão as construtoras e incorporadoras avaliar de forma responsável o crédito, analisando todos os informes de renda, consultar os órgãos de proteção ao crédito para verificar se o possível comprador já não se encontra em situação de insolvência.
Caso já esteja a pessoa superendividada e havendo demanda judicial, a lei possibilita a repactuação da dívida, devendo o consumidor se valer de um requerimento e apresentar plano para pagamento, que deverá ocorrer em no máximo 5 (cinco) anos. Importante aqui mencionar que o legislador, mais uma vez, se preocupou em deixar expressa a garantia do mínimo existencial, devendo ser observada quando da renegociação dos valores.
Entretanto, deve ser ressaltado em parágrafo próprio que não há a possibilidade dessa repactuação das dívidas se provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural, conforme determinado pelo artigo 104-A, parágrafo 1º, do CDC.
Em resumo, a lei veio em momento oportuno, fortalecendo ainda mais a prática de crédito responsável e a solução para conflitos é vantajosa tanto para que paga quanto para quem irá receber. Embora tenha o legislador possibilitado benefícios para que a dívida seja quitada, o importante é que se tente ao máximo realizar consumo consciente, devendo, sempre que possível, fazer um planejamento que caiba em seu orçamento. Um cuidado especial merece o uso do cartão de crédito e cheque especial, pois sabemos que em razão das facilidades muitas pessoas não se dão conta do quanto consomem e, ao chegar a fatura, se deparam com um valor acima do previsto, podendo ser aí o início do superendividamento.